Quando recebi o e-mail de um rapaz dizendo que iria para a África e precisa de ajuda financeira, achei que fosse mais um daqueles golpes, como o clássico spam do príncipe nigeriano que deixou uma herança milionária.
Como eu já havia trocado mensagens anteriores com o Alex, resolvi investigar aquele e-mail e acabei descobrindo uma linda história de altruísmo e dedicação ao próximo.
O Alex Duarte é analista de sistemas e padeiro artesanal, tem 42 anos e mora em São Gonçalo, no Rio de Janeiro. Além de fazer pães incríveis para amigos e clientes da Padoca do Alex, em julho deste ano, decidiu usar suas férias no trabalho para viajar por conta própria para ensinar jovens de uma aldeia em Moçambique a fazer pão.
Qual sua formação profissional?
Minha formação é na área de Tecnologia da Informação, como Analista de Sistemas.
Quando e como você aprendeu a fazer pães? Fez algum curso ou frequentou alguma escola de panificação?
Sempre gostei de assistir aos programas de culinária na TV, e foi através da Rita Lobo que conheci o livro Pão Nosso, do mestre Luiz Américo Camargo.
Mergulhei fundo nas receitas, histórias e técnicas. Fiz curso na Levain em São Paulo com o próprio Luiz Américo. Desde então, não deixei mais ele em paz, foram muitas perguntas em seu “SAC” no Facebook. Li todas as perguntas e respostas publicadas na página dele.
Também fiz curso com a Moema Machado, que me deu várias dicas para assar pão na brasa, antes da minha viagem para a África. E mesmo distante, em Miami, o chef Marcelo Mintz deu uma guinada em meu processo de fazer pães. Para completar, passei um dia inteiro na The Slow Bakery, no Rio de Janeiro, junto com o Rafa Brito e sua equipe. Que dia incrível!
Aliado a essas experiências, tenho estudado muito por conta própria, através de livros e também pela internet. Seguir as pessoas certas pode fazer toda diferença!
Qual a melhor coisa de fazer pão?
Além do contato com a farinha, do toque na massa, sem dúvida é abrir a tampa da panela de ferro e ver o resultado final. O aroma, a crosta e uma linda pestana. Simplesmente maravilhoso!
Quais suas maiores dificuldades para fazer pão?
Hoje a minha maior dificuldade é a falta de estrutura. Obter uma temperatura ideal para a fermentação da massa, sem um espaço adequado, não é tão fácil. Mas já estou resolvendo isso.
Para quem você faz pão?
Hoje tenho feitos pães para minha família, para os amigos do trabalho e para pessoas que fazem encomendas através das redes sociais. Aliás, acabei de receber um pedido de uma cliente no Instagram (@padocadoalex), vou enviar dois pães por SEDEX para Sorocaba! (risos)
Com que frequência e quantos pães você costuma fazer?
Como disse, ainda não tenho um espaço adequado e meu forno é convencional. Isso limita minha produção. Faço no máximo 16 pães por semana. As fornadas são às segundas, quartas, sextas e aos domingos. Mas por conta do processo de produção estou todos os dias em contato com a massa, seja na masseira, modelando ou assando.
Tenho uma assistente, a Luiza, que me ajuda na hora de refrescar o fermento e na autólise. Quando chego em casa à noite estas etapas já estão prontas.
Asso os pães sempre na parte da manhã bem cedo. Levanto às 4h10 e coloco as panelas para preaquecer no forno. São duas fornadas para assar 4 pães de 1kg de massa. Saio para trabalhar às 6h40, levando os pães dos amigos e de alguns seguidores das redes que pegam o pão em Botafogo.
Você trabalha com fermento natural?
Sim! Sou apaixonado por tudo o que envolve o fermento natural. Gosto de cuidar, alimentar e até brincar com a sua acidez. Gosto do resultado que o fermento dá ao pão, uma casca grossa e aroma incomparável.
Que farinhas você costuma utilizar?
Todos os pães são feitos com a farinha italiana Le 5 Stagioni Superiore.
Que forno você usa?
Convencional, um de 6 bocas onde cabem as minhas duas panelas de ferro.
Algum utensílio favorito ou essencial?
Gosto muito das minhas panelas, mas o essencial para mim é ter uma boa luva térmica. Consegui as minhas graças ao Yoshiro, um amigo que trouxe do Canadá. Não aguentava mais queimar as mãos.
Qual sua especialidade ou receita favorita?
Minha especialidade é o sourdough, sou apaixonado por esse tipo de pão. Gosto de uma receita que leva tomates secos, pimenta verde em conserva, alecrim e um bom azeite.
Qual seu livro preferido sobre panificação ou qual você indicaria para quem está começando?
O livro que não sai da minha bancada é o Panificação e Viennoiserie do Michel Suas. Simplesmente maravilhoso e completo! Para quem está começando eu indico o livro Pão Nosso do meu mestre Luiz Américo Camargo.
Conte sobre seu projeto de ensinar panificação para jovens carentes em Moçambique. O que o motivou? Quais os planos para o futuro?
A motivação veio do meu tio, Leônidas Duarte, que foi no ano passado para um vilarejo em Quelimane, Moçambique. Ele foi “encontrado” pelo Danilo, líder de uma comunidade local chamada Bom Samaritano. Quando digo encontrado, é porque foi isso mesmo. O Danilo enviou centenas de e-mails para a Europa e os EUA, com pedido de ajuda e uma dessas mensagens chegou ao meu tio, que já trabalha há muitos anos com projetos sociais no Brasil e no Leste Europeu.
Nossa família acompanhou de perto a viagem e resolvemos assumir o compromisso de sustentar uma família com 12 crianças e uma viúva, a dona Cecília. De lá para cá, temos acompanhado todas as dificuldades desta aldeia em Quelimane, através das redes sociais.
Este ano me senti chamado a participar desta viagem, mas no início eu não sabia como ajudar. O que eu sei fazer é pão, e foi aí que nasceu em nossos corações o desejo de levar os pães para África, de ensinar jovens desta aldeia a arte de fazer pães com fermentação natural.
O Danilo, que nasceu em Quelimane, viu uma grande oportunidade de não depender apenas de doações, mas de viverem do próprio trabalho, e porque não de pão. Os desafios foram muitos, daria para escrever um livro. Além do alto custo da viagem, que ultrapassou R$ 10 mil, existia o desafio gigante da falta de infraestrutura para se fazer os pães. Eu tinha dinheiro para minha passagem e despesas pessoais, mas precisava de verba para realizar o treinamento na aldeia.
Começamos uma campanha nas redes sociais para viabilizar o projeto. Além da família e amigos, grandes nomes do meio da panificação também colaboraram. Você, Adriano, na divulgação do projeto no Amo Pão Caseiro, o Luiz Américo Camargo na doação de edições do livro Pão Nosso e o grande Rafa Brito da The Slow Bakery, que me proporcionou um dia maravilhoso dentro da padaria como forma de me ajudar com o projeto. Ainda teve a Neide Rigo e a Moema Machado com suas inspirações.
Mas as incertezas eram grandes. Será que vou encontrar uma boa farinha de trigo? Será que a água vai dar para fazer pão e alimentar o fermento? O fermento natural vai funcionar? Vai sobreviver a viagem? E o forno, vamos conseguir construí-lo?
Embarquei com duas malas cheias de material para panificação: uniformes, toucas, aventais, camisas, panos para limpeza, espátulas, balanças, potes, caixas e bowls. Levei um pouco de roupa (risos) e muitas dúvidas!
Graças a Deus, os desafios foram sendo vencidos. O curso aconteceu!
Encontrei uma boa farinha, com a qualidade até melhor do que a brasileira. O fermento se adaptou bem a água local e os jovens estavam focados e interessados em aprender.
Conseguimos até montar uma grande mesa, com madeiras que foram colocadas em cima de grandes blocos de concreto. Forramos com um plástico e seguimos em frente.
Para assar os pães compramos alguns vasos de barro, fizemos buracos no chão, preenchemos de pedras e carvão, inspirados na Neide Rigo.
Mas aconteceu algo no primeiro dia que mudaria a minha forma de pensar. Uma massa usada para demonstrar a autólise acabou sendo deixada de lado e um aluno, usando uma folha de bananeira, pegou aquela massa, com apenas farinha e água, e guardou para levá-la para sua casa. Ali eu percebi que estava lidando com algo que eu não conhecia: a fome.
Foi então que, para agilizar a produção, começamos a assar os pães sob as brasas do carvão. Fizemos o pão caçador da Moema Machado. Eles gostaram muito deste método, pois podiam observar a mudança da massa de farinha, água e sal em pão. Pão de verdade!
Muitas pessoas foram alimentadas com a produção do curso e hoje os alunos continuam fazendo todo o pão consumido na aldeia. Isso me deixa muito feliz! Dentre os meninos, cinco se destacaram, são eles: Arsênio e o Aider, líderes do grupo, a Felismina, o meu xará Alex e o Isler, mestre da brasa!
Conseguimos comprar uma geladeira, mais utensílios para panificação e duas pedras de granito, onde será montada a bancada para a sova. Conseguimos também deixar uma verba para o forno, que só não foi construído nos dias que ficamos lá por falta de mão de obra qualificada. Aliás, o forno já ficou pronto! Também conseguimos adquirir uma bicicleta para transportar a farinha, o carvão e outros produtos.
Nosso próximo objetivo é conseguir um patrocínio mensal, para arcar com o custo da farinha de trigo, o sal e a lenha. Também, queremos fazer a cobertura da padaria, e quem sabe o piso.
Os desafios ainda são enormes, tudo o que foi feito é apenas o começo. Queremos muito mais, queremos mudar a realidade e a perspectiva dos jovens daquela aldeia. Com esta viagem, entendi que nada acontece por acaso. Este amor que sinto pela panificação, pelos pães com fermentação natural, não brotou em meu coração por acaso. Nasceu para um propósito, nasceu com um objetivo maior de alimentar vidas em outro continente. De alimentar a esperança em dias melhores.
Se desejar conhecer mais este projeto, entre em contato pelo meu Instagram ou Facebook.
Obrigado Adriano pelo apoio de sempre! Um beijo no coração!
Cara, que história linda. Sem palavras!
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