Não consigo imaginar a Viviane Lavratti, ou Vivi, como todos a chamam, trabalhando no mercado financeiro. Aliás, não consigo imaginar ela fazendo algo diferente de cozinhar. Ela tem alma de cozinheira, um talento único e uma generosidade infinita.
Infelizmente eu só conheci a Vivi recentemente, depois de várias tentativas frustadas de fazer um panetone. Acompanhar seu trabalho é uma verdadeira aula e faz tudo parecer mais fácil.
Gaúcha, 37 anos, mora em São Paula há 3 anos, desde que voltou de Milão. Realiza cursos de culinária, é especialista em panetones artesanais e trabalha como Food Coach, ajudando pessoas que não têm familiaridade com a cozinha a selecionarem ingredientes e a prepararem seus alimentos, de acordo com sua disponibilidade de tempo, dietas e estilo de vida.
Qual sua formação profissional?
Tenho formação em Direito, mas exerci a profissão por um curto período! Pouco depois de me formar decidi ir pra Itália passar seis meses, e acabei ficando 10 anos! Lá em Milão trabalhei no mercado acionário para um grande banco americano e em paralelo fiz vários cursos de cozinha. Voltando ao Brasil, fiz um curso de especialização em “Gastronomia: História e Cultura” pelo Senac-SP, e me apaixonei por esse outro olhar sobre a “gastronomia”, que trata da alimentação um todo, incluindo aspectos sociológicos, antropológicos e históricos.
Quando e como você aprendeu a fazer pães? Fez algum curso ou frequentou alguma escola de panificação?
Minha história com o pão e com a fermentação natural começou ao mesmo tempo e super por acaso, num “open day” da escola de cozinha que eu estava frequentando em Milão. Entre as diversas atividades propostas naquele dia, optei por assistir à apresentação de um curso que começaria no semestre seguinte, o de panificação com pasta madre (como os italianos chamam o levain). Quando Davide Longoni, o padeiro que daria o curso, entrou na sala carregando pães enormes e lindos tive certeza que precisava aprender a fazer aquilo!
Ao final da apresentação e da degustação dos pães, ele distribuiu a pasta madre que tinha levado e eu peguei um pouco, sem sequer saber exatamente o que era e o que eu teria que fazer com ela! Lembro que era um sábado e passei o resto do dia passeando pela cidade com aquele copinho coberto com plástico filme na bolsa. Quando cheguei em casa, ele tinha duplicado de volume e havia uma concentração de gás que inchava o plástico filme! Naquele momento me dei conta que tinha um organismo vivo nas mãos e que tinha me tornado responsável por ele! Como o curso do Davide já estava com lista de espera, tive que me virar sozinha, foi muita pesquisa, troca de experiências com o pessoal da escola e, sobretudo, muita prática até conseguir entender o processo e não pirar com a falta de certezas inerente a ele.
Qual a melhor coisa de fazer pão?
Não consigo escolher uma coisa! Acho que são várias e que vão muito além do aspecto nutricional. Fazer pão me dá confiança (se você consegue transformar água, farinha, sal e fermento em um pão, o que você não seria capaz de fazer?), me faz trabalhar foco, atenção e organização, e me faz lembrar e aceitar que devo sempre fazer o meu melhor, mas não estou no controle de tudo! Além disso, tem as coisas mais óbvias: sentir aquele cheirinho maravilhoso de pão se espalhando pela casa a cada fornada, saber o que tem no seu pão (ingredientes e sentimentos), e poder comer um alimento saudável e delicioso!
Quais suas maiores dificuldades para fazer pão?
Logo que voltei para o Brasil, minha pasta madre e eu passamos por um período difícil de adaptação. Os pães não davam tão certo (aliás, nada que eu cozinhava dava super certo!), não encontrava as farinhas que eu estava acostumada a usar, o clima era diferente, enfim, as complicações eram basicamente essas. Quanto aos panetones, as maiores dificuldades são encontrar bons ingredientes (e pagar por eles, pois a qualidade tem o seu preço) e lidar com o calor excessivo da época natalícia! Como não tenho o maquinário adequado – masseira, câmara de fermentação, etc -, bato a massa na planetária com saquinhos de gelo ao redor do bowl e faço as fermentações a frio, usando a geladeira. Essas limitações me levam a um outro inconveniente: a pequena quantidade que consigo produzir, ficando bastante difícil dar conta da demanda.
Para quem você faz pão? Quem é o seu público?
O meu lema é “não vendo pão, mas ensino você a fazer!”, é algo que todos deveriam dominar, é a transformação na prática! Por isso, os pães que preparo são ou para as minhas oficinas, ou para consumo próprio (há anos que não compro nenhum tipo de pão). Os panetones são uma exceção, vendo por um curtíssimo período e o meu público é composto por pessoas próximas: amigos, amigos de amigos, colegas de trabalho e a soma de pessoas que provaram o produto e a cada ano querem repetir.
Com que frequência e quantos pães você costuma fazer?
Para consumo familiar faço pão de 1,5 kg uma vez por semana. Para as oficinas depende muito do número de participantes. Não tenho uma rotina bem definida, às vezes chego a levar 2 dias para fazer um pão (usando a geladeira, é claro, para retardar a fermentação) para conseguir encaixar os tempos de preparação com os horários que estarei em casa.
Você trabalha com fermento natural?
Sempre! Do pão ao panetone, passando por pizza, focaccia, crackers e grissini, só uso a minha pasta madre (levain)! Com planejamento e organização isso sequer se torna mais complicado.
Que farinhas você costuma utilizar?
Prefiro usar ingredientes locais, por isso passo longe das farinhas italianas, por mais que tenha aprendido a panificar com elas. Das de trigo brancas geralmente utilizo a Mirella, que é orgânica, ou a Anaconda Premium. Das integrais, a Anaconda também. Gostaria de usar mais farinhas de trigo orgânicas, mas a conveniência de achar essas que mencionei no supermercado ao lado da minha casa tem falado mais alto em tempos corridos e de muito trabalho. Além das de trigo, utilizo também fubá branco e amarelo e centeio (orgânicas da Marfil).
Que forno você usa?
Tenho um forno elétrico super comum e pequeno da Fischer. Não é o máximo mas nunca deu problema.
Algum utensílio favorito ou essencial?
Minha panela de ferro, porque é a garantia de que o pão vai ficar incrível em qualquer tipo de forno! Por isso levo ela sempre comigo para qualquer oficina que eu dê (afinal a gente nunca sabe que forno vai encontrar!).
Qual sua especialidade ou receita favorita?
Panetone! Até porque é uma receita que posso chamar de minha. Foram vários testes até chegar à versão final, adaptada aos equipamentos que tenho em casa e aos ingredientes que encontro aqui no Brasil. É trabalhoso, requer tempo e dedicação, mas o sorriso no rosto de quem prova faz tudo valer a pena! Tem muita gente que me dizia que não gostava de panetone até experimentar o que eu preparo, tem satisfação maior?!
Qual seu livro preferido sobre panificação ou qual você indicaria para quem está começando?
Minha bíblia quando comecei foi um livrinho italiano super simples chamado “La Pasta Madre”, da Antonella Scialdone, com quem fiz um curso lá em Milão. Apesar de ter que adaptar todas as receitas, porque as do livro são preparadas com fermento natural sólido e eu uso o líquido (com 100% de hidratação), tenho um carinho todo especial por esse livro. Para quem está começando sugiro o “Como assar pães” do Michael Kalanty (Editora Senac), ele quase nem fala sobre fermentação natural mas traz muitas informações indispensáveis. Tratando especificamente de fermentação natural, tem o “Pão Nosso” do Luiz Américo Camargo, que como todos os livros com o selo Panelinha, apresenta explicações super detalhadas, o que é bastante útil para quem está começando a se aventurar nesse tema.
Para conhecer um pouco mais do trabalho da Vivi, visite o site vivifoodcoach.com ou siga seu perfil no Instagram (@vivi.lavratti).
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Vivi é uma super professora, meus pães melhoraram muito depois da aula dela!