Logo nos primeiros minutos de conversa com o Fábio já é possível sentir sua sagacidade e seu forte espírito de empreendedor. Ainda assim, é uma pessoa extremamente generosa, divertida e íntegra. Paulista, 29 anos, atualmente se divide entre Alemanha e Brasil. Em 2017 fundou a Banneton Brasil, uma importadora de bannetons e outros produtos para panificação artesanal.
Qual sua formação profissional?
Sou engenheiro naval, formado pela Escola Politécnica da USP, mas nunca trabalhei na área. Como quase todo engenheiro de lá, ensaiei ir para o mercado financeiro, mas no final decidi seguir o que mais me motiva: o empreendedorismo.
A engenharia me deu um bom conjunto de ferramentas para que eu possa transformar ideias em realidade.
Quando e como você aprendeu a fazer pães?
Eu me interessei no final de 2014, em um natal, e comecei a aprender mesmo no início de 2015 já na Alemanha, quando morei no mesmo apartamento que uma amiga que adora fazer pães, a Uta Pfrengle. Ela já tinha um fermento natural, mas fiz questão de fazer um do zero pra entender o funcionamento. Pura curiosidade.
Aprendi com ela, consultando diversos livros e com o que achava na internet. Por sorte, a Alemanha tem uma cultura de panificação muito forte e é relativamente fácil encontrar conteúdo e pães variados pra provar e tomar como parâmetro.
A primeira oficina que participei foi no meio de 2016, ministrada pelo Luiz Américo Camargo, no Sesc Consolação. Lá surgiu a faísca que daria inicio à Banneton Brasil.
Hoje aprendo muito com o pessoal da área da panificação. Tenho muita sorte. Essa troca de experiências é a coisa mais valiosa pra mim. As vezes participo de algumas oficinas como ouvinte e aproveito pra prestar atenção tanto no professor, como nas perguntas feitas pelos alunos; me interessa muito entender como as pessoas percebem a arte da fazer pães.
Qual a melhor coisa de fazer pão?
A melhor coisa vem depois, ao ver a reação de alguém que nunca provou um bom pão ao provar um. Durante o processo, gosto muito de manipular a massa pra dar o formato, antes da última fermentação.É o toque final.
Quais suas maiores dificuldades para fazer pão?
As maiores dificuldades são com pães majoritariamente compostos de farinha de centeio. O comportamento da massa e as técnicas são bastante diferentes das usadas em pães de farinha de trigo. Os tempos são diferentes e, com frequência, o preparo envolve mais de um pré-fermento. As últimas etapas da fermentação também são, normalmente, mais rápidas; só com experiência mesmo pra saber o ponto certo de levar ao forno.
Para quem você faz pão?
Para a família e amigos. Quando estou com a família, eu tendo a fazer mais experimentos, pois sei que mesmo que o resultado não seja ótimo, o pão vai acabar rapidinho. Com os amigos, tendo a ficar mais no tradicional; quando vejo a oportunidade, tento explicar pra eles como funciona e ensinar o processo – já consegui convencer 3 amigos a entrarem na brincadeira e eles gostaram muito. Claro, a família deles também adorou.
Com que frequência e quantos pães você costuma fazer?
Varia muito de onde eu estou. Na Alemanha ou quando estou sozinho no Brasil, de 2 a 3 vezes por semana sai uma fornada, em geral 1 pão por fornada. Quando estou na casa da minha família, 1 vez por semana, pois minha mãe também gosta e sabe fazer muito bem.
Você usa com fermento biológico ou fermento natural?
Ambos, mas com mais frequência o natural. O fermento biológico eu uso as vezes para fazer massa de pizza ou baguete, ou em conjunto com o fermento natural em algumas receitas de pães de centeio. O importante do fermento biológico, pra mim, é usar bem pouquinho e deixar a massa fermentar por um longo tempo.
Que farinhas você costuma utilizar?
Ultimamente tenho tentado moer meus próprios grãos e peneirar a farinha pra fazer várias extrações. Se o pão for 100% integral, uso só os grãos moídos na hora.
Para receitas com muita farinha branca eu normalmente uso as do moinho Anaconda, mas adoro experimentar todas as marcas e ver se consigo perceber a diferenças.
Quando estou na Alemanha, tenho uma gama muito maior de farinhas, com alta disponibilidade, qualidades diferentes e preço mais acessível. Em geral costumo utilizar as de um moinho chamado Adler, que fica no Sul da Alemanha, já quase na França.
Em que forno você assa seus pães?
No Brasil, sempre usei fornos bem antigos à gás, com pelo menos 30 anos de idade – já em idade avançada, mas ainda no auge. Na Alemanha, os fornos são praticamente todos elétricos e é o que uso. Com um bom termômetro de forno e uma assadeira de vidro ou panela de ferro, o resultado fica bastante homogêneo.
Algum utensílio favorito ou essencial (além do banneton, é claro)?
Pode ser 2 bannetons? Brincadeira. Antigamente era o termômetro de forno; é realmente muito útil e dá muita segurança no preparo de qualquer coisa, além de permitir a medição da temperatura quando você faz alterações no forno (ex: ao tirar o fundo dele ou colocar várias pedras nas laterais – gosto de experimentar).
Hoje em dia, meu utensílio favorito é o moinho de pedra, que aumenta muito as possibilidades com diferentes grãos e granulação de moagem.
Qual sua especialidade ou receita favorita?
É difícil escolher uma, mas eu tenho tendência a gostar mais das que eu não domino completamente. Uma das favoritas pra fazer é a receita de brezel ou laugenbrötchen (aquele pão trançado ou bola com uma cor bem dourada, as vezes com sal grosso ou gergelim em cima); é bem divertido mergulhar ou pincelar eles com a soda cáustica e depois ver a cor que eles pegam no forno.
Qual seu livro que não sai da sua bancada?
Gosto muito de ter vários por perto. Um deles é o Pão Nosso do Luiz Américo Camargo, que é muito mais que um livro de receitas de pão.
Outro que entrou recentemente entre os mais consultados é um que ganhei de natal e chama-se Speisekammer. É um compilado de preparações muito variadas, não só de pães. Bem interessante pros fins de semana com mais tempo.
Como surgiu a Banneton Brasil? Conte um pouco da história da empresa
Depois que aprendi a fazer pães, comecei a introduzir a fermentação natural para meus pais, via Skype. Eles também começaram um fermento, mas encontravam sempre o mesmo problema na fase final da fermentação: onde colocar a massa? O pano em uma vasilha era uma alternativa, mas não era prático. Tentei encontrar bannetons para comprar no Brasil, mas não consegui.
Quando voltei ao Brasil para uma visita, em 2015, trouxe alguns bannetons para dar de presente pra eles. A diferença foi imediata, tanto na aparência dos pães, como na frequência com que eles faziam as fornadas. Agora não havia mais aquele problema do pano, o que deixou o processo bem mais prático.
No meio de 2016 eu voltei novamente ao Brasil e fui com minha mãe assistir uma aula do Luiz Américo Camargo. Nós já havíamos ouvido falar dele e foi muito interessante vê-lo ao vivo fazendo um pão. Saindo da aula, me ocorreu de ver o perfil dele no Instagram e notei que ele havia feito um post falando sobre a experiência de utilizar um banneton, trazido de fora e emprestado de um amigo – no post havia também alguns comentários de pessoas perguntando onde era possível comprá-los no Brasil. Foi aí que a ideia surgiu: iria importá-los.
A ideia de abrir uma empresa de comércio internacional sempre passou pela minha cabeça e os bannetons me pareceram a oportunidade perfeita pra começar. O primeiro passo, e o mais difícil, foi falar com o próprio Luiz Américo Camargo – eu queria saber o que ele achava da ideia, ter uma visão além da minha própria, de padeiro de fim de semana. Acabei enviando um e-mail (que demorei alguns dias pra escrever, confesso) e que, pra minha surpresa, foi respondido no dia seguinte, muito cordialmente e com um convite para tomar um café.
A conversa no café fluiu muito bem e me encorajou a seguir em frente. Comecei os preparativos no mesmo dia. Eram muitos detalhes que deveriam ser resolvidos e eu queria criar uma experiência de compra diferente do que normalmente se encontra no Brasil, ou seja, algo simples, eficiente, sem burocracia. Além disso, o preço final precisaria ser menor ou igual ao encontrado na Europa e a entrega deveria ser ágil e para todo o Brasil. Tudo isso sendo administrado remotamente da Alemanha em parte do tempo.
Após 7 meses do envio daquele primeiro e-mail pro Luiz, os bannetons atracaram no Brasil pela primeira vez. As vendas se iniciaram no fim de Fevereiro de 2017 e o retorno dos padeiros amadores e profissionais do Brasil, satisfeitos com a compra e com a experiência, tem sido muito gratificante. O Luiz acabou se tornando um amigo e é o patrono de todo o projeto.
Uma curiosidade é que eu não estava no Brasil quando o primeiro lote de bannetons chegou. Eu havia deixado tudo acertado pra que as coisas fluíssem o mais tranquilamente possível e confiava no plano. Claro, houve problemas e coisas para acertar, mas tudo correu bem com a ajuda das pessoas certas e da minha família.
Atualmente estou focando boa parte da minha energia em trazer os moinhos de pedra e tornar mais acessível e barata a compra de farinhas de boa qualidade dentro do Brasil. É um trabalho que exige muitas conversas, planos, contas e espero poder trazer novidades em breve. Também continuo desenvolvendo e buscando produtos que sejam interessantes para os padeiros brasileiros. Acabamos de lançar dois novos produtos: espátulas de padeiro e couches 100% linho.
Também estou tentando melhorar o sistema de cursos do site, para que as pessoas encontrem cursos próximos a elas e pra que a comunidade se desenvolva mais. Ainda nessa linha de pensamento, em breve devemos lançar um projeto pra mapear os fermentos naturais pelo Brasil – a ideia é que as pessoas vejam quem faz pães próximo a casa delas, façam contato, se aproximem. Também vai ser ótimo pra quem perdeu ou ainda não teve coragem de começar o fermento e precisa de um ponto de partida. Estou muito animado e ansioso pra lançar.
Acho importantíssimo que esse movimento em torno da comida de verdade, como a Rita Lobo define muito bem, crie laços e se una para mostrar para todas as faixas da população que a boa comida não é que a sai pronta do freezer do supermercado. Do debate sobre a alimentação e sobre o que colocamos na mesa pode-se derivar muitos ensinamentos que a sociedade brasileira claramente precisa.
Seja promovendo cursos, debates, comunidades online e off-line, acessórios pra venda ou o que mais vier na telha, espero poder contribuir para que esse movimento se expanda e alcance a grande parte da população.
Banneton Brasil
banneton.com.br